Por Zehra Abid, encarregada de comunicações, OMS Paquistão

A principal atividade de Huma Ashraf fora de casa era como agente de saúde. Em 11 de setembro de 2023, ela estava trabalhando numa comunidade carente à margem da linha do trem sem saber que sua vida estava prestes a mudar. Horas depois, Huma se encontrava dentro de uma ambulância a caminho do Hospital Jinnah, em Karachi, após sofrer um grave acidente.
“Tudo aconteceu rápido demais. Eu tinha que visitar algumas casas que ficavam do outro lado dos trilhos. O trem estava longe e eu atravessei a linha. Porém, uma rajada de vento fez com que a minha dupatta (xalé usado no subcontinente indiano) ficasse enganchada em um dos vagões.”
As pessoas que presenciaram o acidente chamaram uma ambulância. Com uma presença de espírito sem igual, Huma recolheu os pés na esperança de passar por um reimplante cirúrgico e informou à ambulância para qual hospital queria ir.
Hina, sua irmã mais nova, ficou admirada com a coragem de Huma naquele dia. “Ela me mandou uma mensagem de texto clara e até tranquila, dizendo: “Perdi os pés e estou indo para o hospital; não conte nada para o papai nem para a mamãe.”
Quase cinco horas após o acidente, quando Huma finalmente foi levada à sala de cirurgia, o dano já era irreversível.
Hina então contou aos pais o que tinha se passado. A princípio, sua mãe pensou que só os dedos dos pés da filha tinham sido afetados. “Eu não conseguia assimilar o que tinha acontecido”, lembra a mãe, Rukhsana.
Um legado de assistência
Huma aprendeu muitas coisas com a mãe. Aos 14 anos, ela sabia para que servia uma aspirina ou um contraceptivo, e também que as duas gotas da vacina oral protegiam uma criança contra a paralisia infantil. Com o passar do tempo, ela também aprendeu a ministrar injeções. Rukhsana permitiu que a filha lhe aplicasse injeções para treinar, além de consistentemente treiná-la em outras práticas básicas de saúde.
Profissional da área, Rukhsana começou a trabalhar em 1995 e Huma costumava acompanhá-la. Mãe e filha percorriam as ruas de Karachi, levando assistência essencial para mulheres e crianças e fazendo amizades ao longo do caminho.
Todos os cinco filhos de Rukhsana trabalharam para a Iniciativa Global de Erradicação da Pólio, mas foi Huma quem permaneceu na linha de frente, subindo de posição até chegar à supervisora de área.
Huma e Rukhsana trabalhavam juntas como vacinadoras e eram muito respeitadas. “Quando vinham pessoas importantes, nós éramos indicadas para atendê-las”, diz Rukhsana. “Todos ficavam perplexos com o tamanho da área que a Huma conseguia cobrir em um único dia. Eu jamais poderia imaginar que chegaria um momento em que ela não poderia mais andar.”

Às vezes, até esquecemos o que aconteceu. Ontem à noite, por exemplo, alguém bateu à nossa porta. Como não conseguia encontrar meus chinelos para atender, perguntei à Huma onde estavam os dela. Em segundos voltei à realidade e respondi a mim mesma que eles ficaram em algum lugar nos trilhos naquele dia fatídico.”
Huma sente dor durante a noite, especialmente nos pés que não mais existem. “Acho que é o sistema nervoso, pois não dá para sentir dor numa parte do corpo que já não está mais lá
Apesar da perda que mudou totalmente a sua vida, Huma ainda quer continuar na ativa. “Quero voltar a trabalhar pelo fim da poliomielite”, diz ela, com a certeza de que dias melhores virão. Em vez de causar revolta, o acidente lhe trouxe resignação e delicadeza. “Se Deus me colocou nesta situação difícil, Ele me dará forças para superá-la.”
“Meu pai chora muito por conta do meu estado. Eu digo a ele que temos que aceitar as coisas como são, e que o pior já passou. Alá nos deu um momento difícil, mas é bom lembrar que quando uma porta se fecha, outra se abre.”
Laços que fortalecem
O acidente redefiniu o significado de família para Huma. O apoio de colegas e chefes no seu trabalho tem sido tremendo. Para Irshad Sodhar, coordenador do Centro de Operações de Emergência (COE) de Sindh, ajudar na recuperação de Huma é uma missão.
“É vital que cuidemos do bem-estar dos agentes da linha de frente. Eles fazem um trabalho árduo de forma altruísta, e temos o dever de lhes dar assistência quando passam por adversidades, principalmente quando originadas no desempenho da função”, diz ele, que costuma visitar Huma e Rukhsana.
“Tomei por missão garantir a recuperação da Huma. Mobilizei muitas pessoas a esta causa, incluindo o coordenador nacional do COE e o ministro da saúde de Sindh. O vice-comissário também está envolvido para garantir que a família tenha dinheiro suficiente. Estamos nos empenhando para que a casa seja adequadamente remodelada para uma portadora de deficiência, com banheiros e outros cômodos acessíveis. Fico comovido com a resiliência da Huma. Depois de tudo o que passou, ela ainda quer se dedicar ao fim da pólio”
Irshad acrescenta que “a erradicação global da doença depende da motivação dos trabalhadores da linha de frente. Não teremos êxito sem eles realizando o trabalho de campo”.
Quando o Dr. Shahzad Baig, coordenador nacional do COE, fala sobre Huma uma palavra recorrente é família. “Vi a Huma pela primeira vez logo após o acidente, e posso afirmar que ela é uma das pessoas mais notáveis que já conheci”, informou ele. “Fiquei impressionado em ver que o seu eu interior estava intacto, e que ela só tinha gratidão e determinação para se tornar um ser humano ainda melhor.”
“Huma é a expressão do verdadeiro espírito da nossa família de combate à poliomielite. Vamos fazer de tudo para que ela se recupere completamente e seja capaz de andar com próteses. Vale ressaltar que o Rotary, nosso parceiro, já ofereceu o suporte para as próteses.”
Para o Dr. Zainul Abedin, chefe da equipe nacional antipólio da OMS, o espírito inquebrantável de Huma exemplifica a luta de combate à pólio. “A jornada da Huma, marcada por uma grande perda, mas também pela esperança, reflete a dedicação dos profissionais de saúde em todo o país. Há muitas almas corajosas, como a Huma, que fazem parte da nobre missão de acabar com a paralisia infantil no Paquistão.”
O Dr. Abedin acrescentou: “Huma e os demais trabalhadores da linha de frente estão de parabéns pelos sacrifícios e compromisso, e continuaremos a garantir um ambiente altamente favorável para eles”.
A jornada e a resiliência de Huma chamaram a atenção do país em 24 de outubro de 2023, Dia Mundial de Combate à Pólio.
Numa cerimônia que destacou os esforços incansáveis dos profissionais de saúde na luta contra a poliomielite, o primeiro-ministro Anwaarul Haq Kakar homenageou Huma com um escudo em sinal de apreço pelos seus serviços. Este reconhecimento não foi apenas por suas contribuições à saúde pública, mas também por sua determinação e coragem perante às adversidades. Como Huma não pôde ir a Islamabad para receber o prêmio, o Dr. Baig o aceitou em seu nome, com a promessa de que, um dia, o primeiro-ministro o entregaria pessoalmente a ela.
Enquanto Huma se prepara para um novo capítulo da sua vida, vale mencionar que a jornada dela não é feita só de perdas e dificuldades, mas também de garra, apoio da comunidade e esperança sem fim. “As coisas mudaram, mas a vida continua”, diz Huma com um sorriso. “Temos que dizer sim à vida, independentemente do que ela nos traga.”
Huma está ansiosa para voltar ao trabalho.
Irshad Sodhar pediu aos agentes da linha de frente de todo o Paquistão que enviassem mensagens a Huma expressando que tinham toda confiança na capacidade dela. Por sua vez, ela também teve uma mensagem para eles: “Vocês não estão sozinhos. Existe este programa colossal lhes dando apoio. O seu trabalho é bem mais importante do que vocês imaginam.”
Rukhsana diz que nunca se sentiu tão apoiada desde que começou sua carreira, em 1995. “Só agora me dei conta do que realmente significa ter uma família.”
source https://rotaryblogpt.org/2024/02/26/um-espirito-inabalavel-huma-ashraf-pode-ter-perdido-ambos-os-pes-em-um-acidente-ferroviario-mas-nao-a-determinacao-de-colaborar-a-erradicacao-da-polio-no-seu-pais/
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